quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

PAUL E MARRIE - CAP. 10: MEU SEGUNDO DIA SEM MARRIE


                                                   (FOTO: http://www.flickr.com/photos/ocapela/6196450360/sizes/z/in/photostream/)


- Entre, bonitão. – convidou-me Marrie, sorrindo mais do que o costume. Percebi que ela já havia ingerido uma quantia considerável de álcool.

Havia uma garrafa de uísque pela metade sobre o balcão e tocava Frank Sinatra dentro da cafeteria. Por um tempo não consegui desvendar de onde vinha aquela música, mas me bastou um segundo observando atentamente para que visse nas paredes algumas caixas de som, fixadas em locais estratégicos. Não aparentavam ser novas, o que me fez pensar em quantos anos Sr. Brian as deixara desligadas, e em como ele fazia bem em liga-las para Marrie. Marrie merecia aquela música.

- Estávamos aqui, fazendo a faxina de sempre, quando sugeri que Sr. Brian reativasse a música deste local... – disse Marrie, interrompendo meus pensamentos. Como se estivesse dentro deles e pudesse responder os meus questionamentos internos.

- E eu disse para Marrie que reativaria o som daqui desde que ela me concedesse uma dança. – terminou Sr. Brian, aparentemente bem humorado, e notadamente não por conta do uísque. Marrie também tocara o seu coração.

- Sr. Brian, permita-me apresentar... – disse, esticando o braço para um aperto de mãos.

- Eu sei muito bem quem o senhor é. Marrie me contou que suas mãos curam as pessoas, e que é por isso que o hospital inteiro o chama de “Doutor- Anjo”. Quem dera o tempo pudesse ter permitido que o senhor cuidasse da minha falecida esposa...

Na hora, tive vontade de lhe explicar que era apenas um mero cirurgião, e que não poderia tê-lo ajudado a curar a doença de sua falecida esposa, que eu não era um anjo, e muito menos fazia milagres. Mas sabia que ali não era o momento de dizer verdades. Aquele homem só precisava de um conforto, que fora o Marrie fizera desde o dia em que chegara à cafeteria. Fitei-o por um segundo e depois cumprimentamo-nos com um forte aperto de mãos. Sr. Brian continuou:

- Participe desde momento conosco, Doutor. Junte-se a nossa dança.

Marrie buscou um copo com gelo para mim e serviu-me uísque puro, um pouco desajeitada. Ainda estava sorrindo para mim.

E a segunda surpresa da noite, após descobrir as caixas de som na cafeteria, foi saber que Sr. Brian colecionava garrafas de uísque, e as deixava guardadas no depósito da cafeteria. Não me recordo o quanto nós bebemos naquela noite, nem como criei coragem para colocar os óculos escuros que Sr. Brian me emprestara. E nem como comecei a dançar com Marrie.

Gargalhávamos, os três, ao ouvir as antigas histórias de Sr. Brian, da época em que ele ainda era sociável e enxergava alguma alegria em sua vida. Também contei um pouco de minha vida na faculdade, e sobre algumas situações engraçadas que já vivera no hospital. Marrie apenas ouvia nós dois. Eu sabia que infelizmente ela não tinha nada de bom a contar.

Já estava completamente embriagado quando Sr. Brian se despediu de nós dois e foi embora a pé para sua casa. Era a minha deixa para ir também.

Contudo, assim que Sr. Marrie saiu, Marrie trancou a porta da cafeteria e virou-se para mim:

- Agora quero ouvir as suas desculpas, bonitão.

E sem pensar duas vezes, agarrei-a pelos cabelos e comecei a beijá-la desesperadamente. Marrie correspondia o beijo com amor, e cravava os dedos meus ombros, suspirando enquanto eu passeava a língua por sua boca.

- Eu não sei o que está acontecendo comigo, Marrie. Perdoa-me por ter deixado você daquele jeito na banheira, por tê-la expulsado de meu apartamento... Na hora parecia o certo a ser feito, mas, de repente, assim que saí dali... me senti tão, tão...

- “Tão” o quê, bonitão? Não vou completar sua frase. Quero ouvir isso de você.

- Tão sozinho, Marrie. Era como se nenhuma pessoa neste mundo fosse capaz de suprir a falta que você iria me fazer. Era como se o certo se tornasse algo insuportável em minha vida, pois preciso de você. Você sabe que eu não posso me apaixonar por você, não sabe?

- Sei, Sr. Paul. E é por isso que eu aceito as suas desculpas. Porque eu também não deveria estar apaixonada por você. Você não me permitiu isso. Mas também estou infringindo as regras, e não pretendo mudar a minha opinião.

Seus olhos fritavam à espera de uma resposta, de um “eu te amo”, ou de qualquer gesto que demonstrasse que ali dentro de mim eu também iria desrespeitar as regras: que eu me permitiria amar uma prostituta.

Não dei a resposta que Marrie esperava. Apenas continuei a lhe beijar, até o momento em que meu corpo exigia que saíssemos dali. Que fôssemos para outro lugar.

- Durma comigo hoje, Marrie. Durma comigo em meu apartamento.

Marrie entreabriu os lábios e olhou-me com receio. Sabia que estava insegura a voltar para lá, para o lugar onde eu dilacerara pela primeira vez o seu coração.

Mas rapidamente aquela pequena mulher mudou sua expressão, e fez que sim com a cabeça e foi até o quartinho onde estava morando buscar uma troca de roupas para levar consigo.

Enquanto Marrie arrumava a mala, fiquei pensando sobre a loucura que estava prestes a fazer de novo, e se Mr. Richard me cobraria algo a mais pelo o que faríamos naquela noite. Já estava muito alterado pela quantia de uísque que tomara, e não dei vazão para aqueles pensamentos bobos. Só queria beijar e dormir abraçado a noite inteira com aquela pequena mulher, sentindo seu cheiro, admirando seus cabelos...

Já se passavam das três da manhã quando nos dirigíamos para o meu apartamento. Conversávamos muito alto, cantarolando alguma melodia que já não me lembro mais, e ainda estávamos usando os óculos de sol de Sr. Brian.

E por ainda ser noite, as lentes escuras me atrapalharam a enxergar que quem estava na porta do prédio, bloqueando a nossa entrada, era David.

Eu me esquecera de nosso encontro.

- Agora você passou dos limites, Paul! Você tem ideia de quantas horas estou aqui esperando você chegar? – berrava David.

Imediatamente soltei a mão de Marrie.

- David, eu...

- Cala essa boca, Paul! Está vendo por que não posso me divorciar? Você não é uma pessoa confiável, aliás, nem sei se posso dizer se você é um verdadeiro homossexual! Porque a primeira vadiazinha que aparece você já fica assim, andando de mãos dadas.

- Você não se divorcia porque o senhor é um covarde. O fato de eu estar ou não de mãos dadas com o Sr. Paul não interfere em nada. – respondeu, Marrie, calmamente, encarando David.

- Querida, desculpe-me, mas eu não converso com um ser que vende o seu próprio corpo, que por sinal não é lá grande coisa, para ganhar a vida.

- Mais uma prova de que o senhor não passa de um homem covarde. Você não conversa comigo porque você ainda não tem coragem de encarar a verdade. Eu tenho, senhor.

- Mas o que é isso?! Vou ficar mesmo ouvindo essa série de asneiras desta piranha, Paul? – David tremia os lábios de raiva enquanto gritava.

- Marrie, não fale assim com David, ele está muito nervoso, e com razão. Eu me esqueci que nós tínhamos um encontro hoje. Acho melhor você voltar para a cafeteria... – não consegui olhar para seus olhos enquanto pronunciava a frase.

- Olha, Sr. Paul, preste muita atenção no que vou lhe dizer: eu não preciso do seu amor. Não preciso da sua pena, da sua compaixão, nem da sua reciprocidade. Eu me viro muito bem sozinha, sempre foi assim! Passei anos e anos de minha vida sendo espancada, torturada e estuprada, sempre esperando a compaixão dele, o que nunca aconteceu. O homem que comprou quando eu tinha oito anos me engravidou duas vezes, e fui obrigada a abortar em ambas. Perdi duas vezes a chance de ser mãe. Porque por incrível que pareça, “ele” foi o meu primeiro amor. O meu pai fala que não era amor, e sim Síndrome do Estocolmo, mas eu sei que não foi! Ele foi o primeiro amor de minha vida porque foi a única pessoa que convivi durante anos. Só ouvia a voz dele, só enxergava o rosto dele, e mesmo assim ele me fez abortar. E quando eu achava que nada mais poderia piorar em minha vida, “ele” trouxe um médico para acabar de vez com a minha chance de ter uma família: fiz uma cirurgia que retirou meu útero. Ele levou meu útero, minha integridade, minha infância, minha pele, mas uma coisa ele jamais conseguiu levar: o meu coração! Porque este, Sr. Paul, este continua bem aqui – Marrie batia com força em seu peito. -, batendo sem parar, mostrando que eu não preciso do amor de ninguém para continuar viva. Para seguir em frente. Então não me venha com essas promessas falsas, com esse beijos carinhosos, como os que o senhor me deu na cafeteria! Não preciso disso! E não presto mais serviços para o senhor para ter o dever de lhe obedecer. Por isso, repito: acorde, Sr. Paul! Acorde, porque você está diante de um covarde, que nunca vai deixar um fio de cabelo de lado para ficar só com você. Não existe data marcada para se terminar aquilo que não tem sentimento mais. Quando a gente realmente quer, só existe o agora. E você sabe disso. – Marrie chorava e tremia as mãos enquanto gritava no meio da rua. – E você sabe que eu largaria qualquer coisa para estar ao seu lado, bonitão. Se eu pudesse, e se isso fosse trazer você para mim, eu reabriria cada uma de minhas cicatrizes, se isso fosse fazer você gostar de mim. Pena que você não queira enxergar. Pena que você só queira ver a prostituta que está diante de ti, e não mais a Marrie. E tirando qualquer dúvida sua, Dr. David – Marrie virou o rosto em sua direção. -, não tenho incerteza alguma que o Sr. Paul goste de pessoas do mesmo sexo que ele. Porque eu fui o mais próximo de um homem de verdade que ele já teve na vida. E confesso mais: ele gostou, e muito.

Marrie nos deu as costas, esquecendo sua sacola de roupas no chão. Saiu correndo e foi questão de segundos para que eu a perdesse de vista. E a colocasse ainda mais dentro de meu coração.






Um comentário:

  1. ESTAVA ATRASADA , MAS HOJE LI OS CAPITULOS 7 ,8 , 9 E 10.... ESTA HISTORIA A CADA CAPITULO NOVO FICA MAIS ENVOLVENTE .... ESTOU ADORANDO ESTE ROMANCE ..... MIL BJOS, TE AMO SEMPRE , MAMAE

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