terça-feira, 26 de janeiro de 2016

(A MORTÍFERA) O PREFÁCIO - DECIFRA-ME PARA QUE EU NÃO LHE DEVORE


Este seria aquele momento, aquele breve início onde eu olharia sabiamente para você, meu caro leitor, e decidiria engana-lo. Daria um caloroso sorriso, apresentando-me com minhas trêmulas mãos, e lhe contaria a parte de minha vida que elaborei com muito cuidado, para que se tornasse perfeita.

Eu disse que este “seria” aquele momento, porque desta vez não será assim. Desta vez, apresento-me nua, de corpo e alma, e você poderá conhecer a história de uma mulher que transformou seu país da forma mais cruel que poderia fazer: destruindo vidas.

O fato é que eu mato pessoas. Enfoque nessa frase, meu caro, pois é a única coisa que você vai entender de mim nesse livro. Eu mato cruelmente as pessoas, várias delas. Constantemente.

Conheci muitos, que por bondade, acreditaram que as circunstâncias que passei durante a minha infância e adolescência fizeram com que me tornasse esse “tipo” de ser humano, que todos tentam negar e evitar a existência.

Mas não se engane com estes pobres piedosos. O mundo e seus acontecimentos nunca tiveram um pingo de responsabilidade sobre a sede negra que sempre habitou dentro de mim.

A verdade é que eu nunca fui uma criança como as outras. Não no sentido previsível da frase, onde se imagina uma pequena menina quieta, tímida, excluída pelos outros colegas, esperando por atenção.

Foi sempre à espera de uma anormalidade comum que passei despercebida pelas demais pessoas durante muito anos. Todos têm a crença de que o mal é sempre aquele que fora traumatizado, machucado, esquecido. Mas este nunca foi o meu caso.

Tive a oportunidade de nascer em uma família muito bem sucedida, em que meu pai era o único herdeiro de Shopping Centers e minha Mãe, uma médica renomada, que abandonara a carreira para se empenhar em trabalhos voluntários pela cidade e região.

Sempre tive o espírito de liderança, era alegre, dedicada aos estudos e ao hipismo, frequentando a melhor escola, morando no melhor condomínio, sendo amiga dos filhos das pessoas mais importantes.

Mesmo pequena, já me destacava pela excelente oratória, e todos os professores se encantavam com minha capacidade de persuasão. O que era para ser reconhecido como perigo, sempre foi me comunicado como um elogio.

E por fim, em uma quente madrugada de verão, comecei a colocar meus planos em prática. Nosso condomínio estava fazendo mais uma de suas festas, celebrando alguma realização importante que não me recordo, pois tinha apenas treze anos, e o inesperado aconteceu.

Encontraram-me jogada, com as vestes rasgadas e uma pequena mancha de sangue entre as pernas, em um sombrio silêncio, como se eu nunca tivesse pronunciado uma palavra sequer.

E para a surpresa maior de todos, ao meu lado, nu, e em choque, estava o Prefeito de nossa cidade, aos prantos incontroláveis, dizendo não saber e nem poder explicar o que havia acontecido.

Ninguém conseguia entender como era possível o Prefeito, pai de três filhas, ter cometido aquela crueldade com outra criança. O que tornava mais estranha ainda a situação era o fato de o agressor chorar muito mais que a vítima, pois me mantinha em profundo silêncio o tempo todo.

Exames foram realizados para verificar se o Prefeito havia sido, de alguma maneira drogado, e como já era de se esperar, tais exames deram resultado negativo.

Não demorou mais que um mês para que o meu objetivo fosse concluído: o Prefeito suicidara em praça pública. De alguma forma, o crime cometido por suas mãos o perturbara de tal maneira que fizera com que ele tirasse sua própria vida.

A cidade não conseguia compreender como uma pessoa de íntegra imagem chegara a um fim tão deplorável. Eu voltara neste dia não só a falar, mas agir normalmente, como se nada tivesse acontecido. Porque diferente dos demais, eu entendia.

Eu entendia e me orgulhava, pois tive ali, então, a certeza de que eu era capaz de conseguir tudo o que queria, da maneira que queria e deixando a situação da forma que eu queria que fosse entendida. A morte daquele homem fora o meu primeiro prêmio.

O segundo prêmio foi minha Mãe. Depois do ocorrido, mesmo que tivesse voltado a agir normalmente, recuperado meu mês de ausência na escola e ainda assim conseguido o título de melhor aluna da classe, Dra. Chiara não conseguira se recuperar do trauma e abandonara seu trabalho.

Abandonando seu trabalho, automaticamente começou a passar mais tempo comigo, e não demorou muito para que também tirasse sua vida.

Alguns consideraram que agora sim eu estaria com o meu futuro destruído, sendo impossível que conseguisse superar todos aqueles ocorridos em apenas um ano.

Mais uma vez, tolos, e enganados. Fiz, como era de se esperar, meu luto, meus prantos, minha dor, e então voltei, cada vez mais calma, mais disposta, com mais vontade de viver do que antes.

E por nenhuma ironia do destino, mas sim por toda minha dedicação, formei-me médica, e exatamente como minha mãe, dei início a trabalhos comunitários, não só pela minha região, mas por todo mundo.

E esta história começa exatamente assim, meu caro leitor, quando retorno de uma viagem de um ano para minha cidade, reencontrando muitas pessoas que havia deixado para trás.

“Sociopata”. “Psicopata”. “Transtorno de Personalidade”. “Louca”. “Impiedosa”. “Demônio”. Entre tantos outros adjetivos, você os ouvirá, todos, sem exceção, durante a sua leitura, pois fui chamada assim várias vezes. Contudo, por hora vamos começar com um simples: “Dra. Marina Shadda.”

(Para ler o próximo capítulo, clique no link: http://negaescreve.blogspot.com.br/2016/02/a-mortifera-capitulo-01-animal-de.html)
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